Dos vários “momentinhos deprimentes” da minha vida, estive a fazer uma selecção mental, e escolhi este por ser um dos mais surreais. Ou daquelas coisas que geralmente só acontecem à minha pessoa.
Há uns anitos, estava eu na faculdade quando decidi, juntamente com alguns colegas, fazer uma formação sobre alternativas económicas, mais concretamente sobre comércio justo.
Como o curso começava às 18h, e as minhas aulas terminavam às 18h, tinhamos de ir a correr para chegar a horas. Eu estava a estudar numa conhecida universidade a qual não vou dizer o nome, para me precaver, mas que tem uma cidade só para ela, e o dito curso era precisamente na Reitoria, a qual tem uma aula “prima” do Alexandre. O Magno.
Eu e mais dois colegas entramos na Reitoria, levantamos os crachás de “visitante” na entrada e corremos escada acima. Tinham-nos dito “lá em cima, depois esquerda, direita, esquerda”, mas devemos ter feito alguma coisa mal... Chegamos a um corredor vazio, e na penumbra está uma senhora, secretária, à porta de um gabinete, lá bem no fundo. Ela vê-nos, e imediatamente gesticula, dizendo “- Venham depressa, já começou, estão à vossa espera!”.
E nós entramos apressados, agradecendo à senhora (que estava aliviadíssima por termos chegado), desta feita num outro corredor. Ela conduz-nos a uma sala lá ao fundo, a meia luz. Entramos e mal olhamos para as pessoas, dirigimo-nos imediatamente para os únicos lugares vagos, e nem reparámos como era estranho serem sofás... A meia luz, lá nos sentamos, e no passar de segundos os nossos olhos vão-se habituando ao ambiente. E aí começa o verdadeiro problema. Na sala, estavam realmente jovens como nós. Estudantes. Cerca de 7. E no meio, estava um senhor de meia idade, que nos cumprimentou, contentíssimo “- Bem vindos, bem vindos, estavamos à vossa espera!”, dá um aperto de mão ao meu colega e dois beijinhos a mim a à Duckling. E eu começa a pensar “Conheço esta cara... será professor de economia?”. Os meus amigos não se descoseram. Estavam sérios e silenciosos que nem um túmulo, e nem sequer olhavam para mim, ou mesmo um para o outro.
O senhor começa a falar. A falar da universidade. A falar dos conselhos directivos das faculdades. E a falar de conversações que estava a manter com pessoal do Ministério da Educação.
Campainhas soam na minha cabeça.
Eu estava no local errado. Estava numa reunião do Senado da Universidade! E à minha frente o Reitor, um conhecido senhor cuja identidade não vou expor, mas que é conhecido por dois nomes, sendo que o primeiro começa por B e é um sinónimo que reporta a um insecto horrível que por sua vez gosta muito de viver em sitios pouco limpinhos, e sendo que o segundo começa por M, e reporta a um nome que é o feminino singular daquilo que os portistas chamam ao pessoal de Lisboa.
E o resto do pessoal tinha-nos confundido com os representantes de Letras. Que ainda não tinham aparecido.
Resultado: durante uma hora eu e os meus colegas ouvimos o rol de decisões e questões que estavam na ordem do dia, eu encolhidinha no sofá, à espera que um dos meus amigos tivesse a lucidez de dizer “- Estamos no local errado, peço desculpa...”. Mas nenhum fez isso. Aliás, eles nem olhavam para mim, logo eu nem sabia se eles se tinham apercebido (é óbvio que sim, mas nestas situações há gente que aparvalha, sendo que eu não sou excepção!), muito menos o que sentiam naquele preciso momento. E ia tendo um ataque quando o BM se dirige ao meu colega, e lhe pede opinião sobre os pontos expostos. Ele, aparentemente calmíssimo, diz a sua (nossa) opinião, defende certos critérios, tece criticas e ainda dá sugestões!
Era suposto estarmos noutro sítio, estavamos numa reunião a passar por outras pessoas, e ele calmíssimo a dar sugestões! Eu morria lentamente de vergonha, sentia a minha cara a ferver, rezava o Pai Nosso (eu que nem sei rezar) e pedia aos céus e à terra que não nos obrigassem a assinar actas, pois seria o mesmo que deixar uma impressão digital.
A partir do momento em que passou a primeira meia hora, já não podíamos dizer que era engano, pois já tinhamos tido tempo suficiente de dar pelo erro. A partir daquele momento, eramos claramente penetras/espiões. A minha nausea aumentava.
Depois de uma hora do mais puro terror psicológico, BM dá por encerrada a reunião, vem na minha direcção, pede-me para eu o recordar do meu nome, e eu lá digo, com o pânico nos olhos: “- Bxaaa-naaa”. Ele sorri, dá-me dois beijinhos, e diz “- Bxana , espero vê-la aqui mais vezes!... Não quer um café, antes de ir?”
Eu abano a cabeça, num gesto negativo, e digo, em voz baixa, olhar fixo “ - Nãããão... deixe estar. Obrigada! Foi um prazer conhecê-lo!”
Enquanto isso, estava sempre à espera que ele dissesse “- Bem, vamos lá assinar as actas...”
Mas não disse. Fui a primeira a sair da sala. Acho que ainda corri nos últimos metros entre a sala e a porta. Vou pelo corredor fora e nem olho para os meus colegas. Seguimos calados até à porta da reitoria. À porta, olhamos em volta, depois olhamos uns para os outros... e foi gargalhada geral. Meteu lágrimas e tudo, num misto de desespero e alívio.
No dia seguinte voltamos lá, para o dito curso. Fomos mais cedo, pedimos as instruções 20 vezes, e perguntámos, de 50 em 50 metros “- É por aqui?”. No fim, quando nos perguntaram porque faltámos à primeira aula, e contra a minha vontade, o meu colega contou a verdade. E eu fiquei, uma vez mais, roxa de vergonha. O pior é que no último dia os formadores mandaram-nos cumprimentos, da parte do reitor, entre risos...
Obviamente que o BM se apercebeu, na reunião seguinte, que os verdadeiros representantes da minha faculdade (que nunca apareceram NAQUELA reunião) eram outros. O que nunca soube é se lhe chegaram a contar o que de facto se tinha passado. Pelas bocas que ouvimos da organização do curso, penso que sim...
Uma curiosidade: Uns meses depois, estava eu na última lição de um professor meu, que se iria jubilar, quando vejo o reitor a entrar na sala, e sentar-se na mesa de honra. Enquanto durou a aula não tirei os olhos dos meus próprios sapatos.
Mas digo-vos, apesar de tudo, gostei de conhecer (não naquelas circunstância, obviamente) o Reitor. É um gajo porreirinho!;)