Sábado à tarde. Passo pela Fnac Colombo, onde tive o privilégio de obter um autógrafo (muito catita!:) do
Rafeiro Perfumado! Infelismente, tive de sair com a mesma rapidez com que cheguei (desculpa lá Rafeirito, mal tive tempo para deixar um miau de agradecimento…) visto que tinha um compromisso inadiável com o Montijo às 19:30.
Viagem esta que não foi, de todo, pacífica.
Massacre #1: Metro. Tento sentar-me no banco onde um jovem rinoceronte e a sua igualmente gentil namorada têm, (re)pousados, os pés. Olho para eles com ar de “Olha, o teu pé importa-se de me dar a vez?”, e ele (o rino), com ar de quem me está a fazer o favor do ano, tira a delicada pata do estofo. Transfere a pata para o banco ao lado, vago.
Paragem seguinte: entra uma senhora, que pretende precisamente sentar-se nesse lugar vago, e olha para o casal de namorados rinocerontescos com ar de “Olha, o teu pé importa-se de me dar a vez?”. Jovens retiram patas do estofo com ar de quem está a sofrer uma lobotomia, mas esquecem-se que eu estou ali ao lado.
O que aprendi hoje: ser pontapeada por dois rinocerontes dói com'ó catano. E deixa nódoa negra.
Massacre #2: Autocarro. Sento-me lá atrás, sozinha, isolada, pequenina. Na estação seguinte entra uma mãe, a sua criança irritante, hiperactiva e com voz de roberto (aquelas marionetas com voz de desenho animado que víamos nas feiras quando éramos putos) e a amiga da mãe, irritante, hiperactiva, com voz de roberto, e estúpida que nem uma bota da tropa. A mãe e a criancinha demoníaca sentam-se atrás de mim, a senhora histérica que ainda não ultrapassou a puberdade senta-se ao meu lado. Ficam os tópicos da conversa que durou os 30 minutos da (longa) viagem. Note-se que a criancinha empoleirava-se no banco da frente (o meu) para melhor falar com a amiga histérica quarentona, sendo que os guinchos de ambas eram proferidos à distância de c. de 20 centímetros do meu ouvido direito.
Tópico 1:
Shrek.
Criancinha do demo, com voz de mascarado: “Olha, Ana, sabes que vai estrear o Shrek? Sabes? Vou ver amanhã! Sabes o que é o Shrek? Vai estrear! E vou ver amanhã às 17:00? Sabes? Vou ver o Shrek!"
Mulher Histérica: “Vais ver o quê?”
[estão a começar a perceber a parte do “histérica e odienta?]
Criancinha do demo, com voz de mascarado: “O Shrek! O Ogre! Vou ver! Amanhã! Às 17:00! Eu ver o Shrek!”
Mulher Histérica: “Ah, eu não sei se vou. Mas gostava de ir! Eu gosto do Shrek! Sei os filmes de cor! Do Shrek! Gostas do Shrek? Shrek, Shrek, Shrek, Shrek?"
Tópico 2:
Música
Criancinha do demo, com voz de mascarado: “Eu gosto muito dos 4taste!”
Mulher Histérica: “Sim? Ai o pirralho com 5 anos já gosta dos 4taste? E dos Da Weasel, também gostas? Eu gosto muito dos Da Weasel!”
Mãe da Criancinha do demo, visivelmente orgulhosa: “Ela gosta muito daquela nova, do Huhu-Haha, ouve muita vez! Cada vez que passa da televisão tenho de a chamar para ela ver!!!”
[Aqui, não consegui controlar um esgar, uma gargalhada abafada por uma tosse compulsiva. Portanto, a miúda tem 5 anos, e a mãe incentiva a criatura a ter, como música preferida, o 'Dialectos de Ternura', cuja letra é, passo a transcrever:
"Ela diz que me adora quando a noite vai a meio / Eu sinto-me melhor pessoa, menos fraco, feio / Passa o dedo na rasta com a mão bem suave / Encosta o lábio no ouvido e diz-me: queres que a lave? / Vamos para o chuveiro e ela flui com a água / Lava-me a cabeça, a alma e qualquer réstia de mágoa / Diz que o meu amor lhe dá um certo calor na barriga / É aí que eu sei que quero ser para sempre aquele nigga / Que lhe mete a rir, rir, quando eu lhe faço vir / Da terra até à lua mano, é sempre a subir... / E somos grandes, gigantes com dez metros de alturaFalamos vinte línguas, dialectos da Ternura / Tipo... /Uhhh, uhhh! Yeah, yeah! Faz, faz!Bébé / Água morna em pele quente poro aberto não perfura / a minha alma já tá nua e eu faço-lhe uma jura, jura / Para sempre teu depois da noite volvida / Um segundo ao teu lado já preenche uma vida / O conceito de tempo não entra na sensação / Aquilo que vivemos tá gravado no coração / Segura na minha mão e continua a canção / É a melhor que já ouvi reinventaste a paixão / Ela diz que me adora quando o dia vai a meio / O copo passa de meio vazio para meio cheio / A palavra ganha vida e fala à minha frente / Sigo calmo atrás dela deixo crescer a semente / Em cada beijo há uma frase, em cada frase há um verso / Em cada verso há um lado do lado inverso / De uma história que assombra a memória / Da leveza irrisória de uma conquista notória / Faço V de vitória, porque hoje eu sou rei / Ao lado da rainha com que sempre sempre sonhei / Foi por isto que esperei, em cada noite que amei / Ou pensei que amei porque é agora que eu sei / A razão da palavra consagrada / Que tanta gente dá à toa em troca de quase nada / Ela não tá espantada, pelo contrário, relaxada / Revê-se na expressão da expressão enamorada."
[Ok, a letra não fala explicitamente de sexo. É um facto, Sim, é normal uma mãe dizer, orgulhosa, que a petiza de 5 anos ouve Da Weasel várias vezes ao dia. Não desfazendo, eu gosto dos Da Weasel. No meu tempo, com cinco anos, eu ouvia mais era Onda Choque. Adiante]
Tópico 3
Olá
Mulher Histérica: “ - Olha, Ana, sabes aquela música da Olá? Sabes? Vá, vamos cantar: Não, oh não, não te esqueças de mim, assim…”
Criancinha do demo: “ - …triste, só e abandonado, gelado…”
Mulher Histérica: “ - Ronc!”
Criancinha do demo: “ – Hehe, tas a fazer de porco! ‘Boa falar com voz pelo nariz?”
Mulher Histérica: “ – ‘Bôra!”
Tópico 4
Shrek Strikes Back
Mulher Histérica: “ – Então conta-me lá a história TODA do Shrek?”
Criancinha do demo: “ – Tudo começo com o orge que vivia na floresta, e depois veio um burro, e depois o burro falava, e então e depois…”
[5 minutos depois]
Criancinha do demo: “ – …depois o pinóquio tentou salva-lo, mas usava cuequinhas de menina, e depois mentia, e depois tinha um ramo no nariz…”
[3 minutos depois]
Criancinha do demo: “ – …mas e depois havia uma bolacha gigante, mas não era uma bolacha gigante, era um boneco de bolacha gigante…”
[isto tudo a ser ginchado a, recorde-se, c. de 20 cm da minha sensível orelhinha de felina…]
Golpe de Misericórdia
Quase a chegar ao fim da viagem, entra numa das paragens uma criancinha amiga da Criancinha do demo, e filha da Mulher Histérica.
Criancinha do Demo II: “ – Mãe, tenho um brinquedo novo! Faz barulho! Ouve: [som de boneco de borracha a ser apertado insistentemente].
…
Tudo bem, sou uma gata doméstica. Mas tenho raízes selvagens. Gente sem educação e sem respeito pelos outros, e que assombram os transportes públicos, não me enervem. Não desta forma. Por favor.