Há músicas que, vá lá, até são bonitas, mas de tanto serem batidas e rebatidas, na rádio, na televisão, nos telemóveis, nas lojas, nos restaurantes, nos supermercados, perdem toda a beleza e ganham estatuto de poluição sonora. Ou aquelas músicas irritantes que, por mais que tentemos, não dão de frosques da nossa psique. Tão repetidinhas que dá vontade de arrancar os olhos do compositor/cantor com um garfo. Ou de rebentar a parede mais próxima ao pontapé.
Alguns exemplos:
1. Jardins Proibidos, do Paulo Gonzo - já nem me lembro se algum dia achei esta canção interessante. Já passaram, quê, 25 anos da sua estreia, e continua a passar nas rádios. E nem a M80 a devia passar. É a rainha dos karaokes. Quando estou num bar e alguém decide cantar isto, peço sempre uma vodka pura. Ou um frasco de álcool etílico, para regar o gajo que está a cantar aquela porcaria, e em seguida jogar-lhe um fósforo. Não há pachorra. Nem toda a paciência do mundo ao quadrado chega para suportar esta música. Não sei se já foi bonita. Agora é um hino ao anticristo. Não me admira nada que o Saddam Hussein regresse um dia das profundezas do inferno, com o séquito de zombies, a marchar ao som desta música. Tornaria a cena muito mais arrepiante, e elevaria a taxa de suicídio em grande escala.
2. Foi Feitiço, do André Sardet - foi bruxedo, foi o que foi. Não sei de onde veio o Sardet, de onde veio esta música, nem como se tornou mais cantada que o hino nacional. Era bonita, confesso. Mas depois de a ouvir 3 467 vezes em apenas três meses, os primeiros acordes despertam em mim instintos homicidas. É outra rainha dos karaokes. Aliás, a primeira vez que ouvi esta música foi num karaoke. É a música predilecta dos tipos e tipas que querem ir cantar, mas têm a voz de uma Amy Whinehouse em dia de bebedeira.
3. Must Have Been Love, dos Roxette - a música é bonita. Pena é estarmos sempre a ouvi-la na secção dos congelados de um hipermercado perto de si. Já repararam a quantidade de vezes que esta música passa no Continente? Ou no Jumbo? Como é, as grandes superfícies têm um contrato com os Roxette? E já agora, com a Celine Dion?
4. My Heart Will Go On, da Celine Dion - um claro exemplo de como uma música bonita se pode tornar um veneno letal para os tímpanos. Há gente a desenvolver esquizofrenia à conta desta música. A Celine Dion, grande cantora, dona de uma voz invejável, consegue tornar 90% das suas obras em clichés musicais. Mas este, pessoal, é mais do que uma música. É um monumento à irritabilidade. Já não dá sequer para apreciar a melodia. Esta música aparece, e só ouvimos ruído. É o que dá passar a mesma música milhares de vezes seguidas, durante seis meses. Chega.
5. No Woman No Cry, de Bob Marley - ouvi o Nuno Markl perguntar uma vez, no seu programa de rádio, se o Bob Marley não tinha mais músicas. Eu acho que não. É só esta. As outras centenas de músicas que ele gravou foram censuradas por razões desconhecidas. Por isso, só podemos ouvir esta. Várias vezes. Em várias "remixes". Até já a sabemos invertida. Os concertos do Bob Marley deviam ser autênticas torturas: ele cantava esta músicas umas dez vezes seguidas, excluíndo os "bis". Porque o Bob Marley não tem mais músicas. Não tem. Tá visto.
6. Todas a músicas dos Santos e Pecadores - todas. Não há uma. Todas me dão vontade de partir a mobília em casa. Independentemente de quem for a casa. São músicas deprimentes, todas iguais, e hiper-super-repetitivas. Passam 500 vezes na rádio, e eu não consigo distinguir umas das outras, porque são todas IGUAIS.
Mais músicas "não-posso-mais" nos próximos episódios. Não percam.